AVENTURA AO REDOR DO MUNDO

aventura ao redor do mundo em bicicleta - cicloturismo

Aventura ao Redor do Mundo | O que vejo de mais importante numa viagem ou na vida é o equilíbrio interno. Quando ele se rompe, as coisas passam a não andar bem…


Artigo publicado na REVISTA BICI SPORT sobre a VOLTA AO MUNDO em 1996

O artigo “Aventura ao Redor do Mundo” é uma composição de fragmentos dos textos enviados para a revista, pouco antes de terminar a Volta ao Mundo em Bicicleta. O relato simples e direto transparece a ingenuidade de quem, numa época pré-internet, havia acabado de conhecer o mundo com os próprios olhos e que estava ainda “digerindo” as tantas paisagens e culturas vivenciadas. Ao mesmo tempo faz sentir como se todo o resto do mundo ficasse logo ali, bem ao nosso alcance…

Posteriormente, em 1998, todas as experiências vividas na viagem se transformaram no livro “No Guidão da Liberdade” onde, além dos conceitos do Cicloturismo, podemos viajar profundamente nas palavras que descrevem os aprendizados pessoais a partir dessas experiências.


LEIA O ARTIGO PUBLICADO EM 1996:

No início de maio de 1993, Antonio Olinto Ferreira embarcou para a Espanha com a ideia de conhecer o mundo em cima de uma bicicleta. Seu objetivo era visitar os parques e reservas florestais de todos os países por onde passasse. Após três anos e meio, 34 países e mais de 46 mil quilômetros percorridos em quatro continentes, ele conta para os leitores de BICI as aventuras que viveu nessa incrível viagem.

aventura ao redor do mundo em bicicleta - cicloturismo
Casa do Dalai Lama, em Mecladganj: visitando o local do exílio do líder espiritual do Tibet, após invasão de seu país pelas tropas chinesas.

Na maior parte do tempo pedalei sozinho. Só tive companhia durante um trecho de 3,7 mil quilômetros nos EUA, quando viajei ao lado de Valquíria Padilha. Durante três anos, visitei Espanha, Portugal, França, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça, Liechtenstein, Áustria, Itália, Vaticano, Grécia, Turquia, Chipre, Israel, Egito, Índia, Nepal, Tailândia, Singapura, Indonésia, EUA, México, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Venezuela e Brasil.

Quando cheguei a Madri, chovia e fazia frio. Montei minha bicicleta e segui para a sede da Ananda Marga, uma organização que me auxiliou durante boa parte da viagem. O frio era terrível, mas encarei uma pedalada de 115 quilômetros para conhecer o Parque Natural de La Cuenca Alta de Manzanares, conhecido como Piedriza. No início de junho parti de Madri e segui rumo à Lisboa, passando pela Serra de Gredos e pelo Parque Natural de Monfraque.

Visitei, ainda, duas fabulosas cidades que são desprezadas por turistas mais apressados: Cáceres e Mérida. Estava ansioso para pisar em solo lusitano e me emocionei ao escutar o português na terra de origem de minha família. Pedalei até Almada e conheci o Parque Natural de Arrabia e a Reserva Natural do Estuário do Sado, uma faixa estreita do litoral português de exuberante beleza.

Caminho de Santiago em Bicicleta
Estátua do Peregrino no caminho francês de Santiago (Espanha)

Aventura ao Redor do Mundo | Caminho de Santiago

Quando seguia para a Serra de Aires e Candeeiros, escutei no rádio uma entrevista sobre o Caminho de Santiago. Resolvi mudar meu trajeto e seguir para Lisboa, Santiago e Pamplona.

Para mim, o Caminho de Santiago simboliza as dificuldades da vida rumo à evolução interna. Consegui, então, unir os caminhos do aventureiro e do peregrino, para a satisfação do corpo e do espírito.

Do Parque Natural de Aires e Candeeiro, segui para Fátima, encarando 67 quilômetros de subida. Com o status de peregrino, pude acampar logo atrás da Basílica. Depois de 17 quilômetros de mais subida, cheguei a Torres, no Parque Natural de Serra da Estrela, a 1993 metros de altitude.

Após uma breve parada em Tabarca, o vilarejo de meu avô paterno, cheguei a Santiago no dia 22 de julho, onde recebi o certificado de Compostela, dado a todos os peregrinos. Com o certificado na mão, tomei o caminho de Leon e da França. Nos picos do caminho visitei a Garganta de Cares e o Puerto de Covadonga. Em agosto pisei na França, passando por vários trechos onde é disputado o Tour de France. Fiquei mais alguns meses pedalando pela Europa, até decidir continuar minha viagem via Istanbul, na Turquia.

Saí de Istanbul em direção a Pamukkale, passando por uma montanha de impecável brancura, causada pelo acúmulo de calcário. Não pude ficar muito tempo em Pamukkale e parti para Marmaris, uma pequena cidade litorânea.

Da Turquia fui a Rodes, a ilha grega onde ficava o Colosso de Rodes, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Depois de um intenso interrogatório da segurança, pude embarcar para Raifa, no norte de Israel, seguindo direto para Tel-Aviv. Fiquei um bom tempo em Tel-Avivi revendo um amigo, e depois segui para Jerusalém. De lá fui para o Mar Morto, região desértica, com altitude média de 396 metros abaixo do nível do mar – o lugar habitável mais baixo da Terra. Nesta região havia muitos soldados, pois fica na fronteira com a Jordânia. Justamente nesta área acampei uma noite numa casinha de pastores abandonada. No meio da noite apareceu uma patrulha, num jipe carregado de armas e com um grande holofote apontando para mim. Naquele momento, não sabia o que fazer e minha primeira reação foi levantar os braços. Perguntaram-me algo em hebreu e respondi que falava inglês. Expliquei para eles que era um cicloturista e perguntei se era proibido acampar naquela região. O soldado me disse que aquela era uma região perigosa e me congratulou pela aventura.

As experiências no deserto foram incríveis e superaram minhas expectativas. O relevo mda a cada quilômetro. Passei pelo Parque de Masada, deserto de Negrev, Mizpé Ramom e os Mateches (gigantes crateras no deserto).

Em Taba, atravessei a fronteira e, entrando no Egito, pude perceber a diferença cultural. Segui para o Mar Vermelho, onde tive uma das melhores experiências da minha viagem ao nadar ao lado de um golfinho. De lá fui para o Monte Sinai, uma planície deserta, pedregosa, árida e com enormes variações de temperatura da noite para o dia.

Do Sinai, segui para o Cairo, no Egito, onde finalizei a primeira etapa da minha aventura, após 17 mil quilômetros percorridos em um ano e quatro meses de viagem, passando por 17 países.

aventura ao redor do mundo em bicicleta - cicloturismo
Passeio de camelo para conhecer as grandes pirâmides do Egito.

Aventura ao Redor do Mundo | Ásia

Para chegar à Índia, voei do Cairo até Atenas e depois para Nova Delhi. Cheguei à cidade no dia em que os jornais anunciavam uma epidemia de peste pneumônica. Procurei sair de Delhi o mais rápido possível. Em poucos dias cheguei a Jaipur, capital do Rajastão. Logo depois de Jaipur, pude sair das rodovias nacionais para me dirigir ao Parque Nacional da Índia. De lá fui para o Parque Bharatur, um santuário para as aves migratórias. Meu destino era Leh. Segui pela perigosa rodovia Nacional 1, onde os motoristas constantemente nos jogam fora da estrada.

Pelas estradas passei a ver mais e mais comboios de soldados. Uma guerra parecia estar começando. Quando entrei no vale de Caxemira deparei-me com barricadas, carros de combate e soldados.

Nessa época, o governo havia fechado a estrada Sirinagar-Leh. Se eu quisesse seguir por lá, deveria arcar com os riscos. Segui em frente, em direção ao Passo de Zojila, com 3530 metros de altitude, deixando a região conflituosa.

A altitude me provocou fortes dores de cabeça e a temperatura caiu para oito graus negativos. Para piorar a situação, antesde Kargil, cai, derrapei na neve e bati meu ombro direito no chão. A temperatura era menor a cada dia e os povos nômades desciam pela estrada em busca de lugares mais quentes. Eu estava muito cansado e com dores nos braços, mas não parava de subir. O que compensava mesmo era a beleza inigualável do lugar.

Cheguei a Leh no dia 17 de novembro de 1994 e perdi cinco dias para conseguir uma autorização para subir a estrada mais alta do mundo, que faz fronteira com a China. Trata-se do Passo de KardungLa, com 5602 metros de altitude e uma grande subida de 39 quilômetros a partir de Leh. Gastei um dia e meio para subir, com o ar ficando cada vez mais rarefeito.

Queria pegar a Leh-Manali, a estrada mais difícil e perigosa de toda minha viagem. São 250 quilômetros de deserto, mas já no início do trajeto tive de retornar. A polícia me proibiu de seguir por causa da neve. A temperatura chegou a 40 graus negativos. Fui para Sirinagar e peguei um ônibus para Jammu. De lá fui para Dharmshala e Mecladganj, onde vivia na época o Dalai Lama.

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A bike desperta curiosidade de tibetanos durante a viagem pela Índia.

Aventura ao Redor do Mundo | América

Ao completar 20446 quilômetros na Europa e Ásia, parti para os Estados Unidos, no início de 1995. Em outubro, quando pedalava pelo Grand Canyon, no Arizona, conheci a Valquíria, uma brasileira que passeava por lá. Convidei-a para voltarmos juntos de bicicleta para o Brasil.

Começamos a pedalar em Phoenix com o objetivo de atravessar o México e a América Central. Ao cruzarmos a fronteira do México, seguimos para a Sierra Madre Ocidental. Pegamos um trem para Los Mochis no litoral. A partir de Los Mochis, descemos parte da costa oeste do México, ladeando o Oceano Pacífico. Passamos por Culiacan, Mazatlan e Tepic até chegarmos a Puerto Vallarta.

 Seguindo em direção a Cuernavaca, pegamos uma bela descida de 50 quilômetros. Cruzamos o estado de Puebla para chegarmos a cidade de Oaxaca, onde visitamos as ruínas maias de Monte Albán e conhecemos El Tle, a maior árvore do mundo.

Mesmo sob constantes advertências sobre a guerrilha em Chiapas, seguimos nosso rumo, cruzando a Sierra Madre Oriental. Depois de três meses pedaldando no México, entramos no primeiro país da América Central pela tumultuada cidade de Tecún Umán. Na Guatemala, Valquíria pegou um avião de volta para o Brasil, após 3.700 quilômetros.

Continuei minha viagem. Estava muito difícil encontrar um lugar para acampar. Acabei ficando num cafezal ao lado de pessoas muito humildes. Eles me contaram que dois ciclistas haviam sido assassinados naquela estrada há dois meses. Ouvi tiros durante a noite…

No outro dia já estava em El Salvador e percebi que a situação só piorava. As estradas eram péssimas, o trânsito horrível e o perigo ainda maior.

Segui para Honduras e as estradas pioraram ainda mais. Em Honduras, os tiros durante a noite continuaram e a temperatura estava um verdadeiro inferno. Todos me diziam que Costa Rica e Panamá seriam mais tranquilos. Atravessei o Canal do Panamá e fui para a Colômbia e em seguida Venezuela. Foi então que cruzei a fronteira brasileira. Estava de volta após três anos de viagem e mais de 40 mil quilômetros percorridos.

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Acolhida na Colômbia.

Leia a história completa da Volta ao Mundo em bicicleta


Veja as imagens originais da publicação na revista Bici Sport | “Aventura ao Redor do Mundo”:


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