CAMINHO da FÉ | O CAMINHO de SANTIAGO BRASILEIRO
Matéria sobre o CAMINHO DA FÉ, publicada na REVISTA BICICLETA – Edição 23 – dezembro/ 2012.
O CAMINHO DE SANTIAGO BRASILEIRO
Na Idade Média, pessoas de toda a Europa, influenciadas pelo já estabelecido culto a relíquias, cruzavam o continente em busca de milagres e ou remissão de pecados. Relíquia não quer dizer algo velho, antigo e raro, a palavra se refere, sim, a um objeto que pertenceu a um santo, ou mesmo partes de seu corpo.
Dentre as peregrinações mais famosas e concorridas estava o caminho que levava até uma tumba reputada a Tiago, o apóstolo que deveria levar a Boa Nova (Novo Testamento) até os confins da Terra. Como a América ainda não tinha sido descoberta, havia uma lógica em imaginar que a Galícia era o ponto mais longínquo a oeste.
Cada um seguia de sua própria cidade em direção a Santiago de Compostela percorrendo seu próprio caminho, entretanto, ao analisarmos o mapa da Europa, verificamos que ao traçar um caminho direto até Santiago a partir de Itália, Alemanha, França, Holanda e outros países, forçosamente ocorreria um afunilamento de caminhos na parte norte dos Pirineus. Este era o ponto escolhido por muitos para atravessar a cordilheira, seguindo então por um caminho muito bem batido que ficou conhecido como Caminho Francês, que até hoje é o mais famoso de todos os caminhos de peregrinação a Santiago.
Em nosso mundo moderno, a tecnologia nos impele a fazer tudo cada vez mais rápido, mas a natureza humana tem sua própria velocidade, as pessoas tem tomado atitudes para readquirir esta velocidade natural onde o homem pode sentir, viver, aprender e perceber todas as coisas que o rodeiam. Só se pode realizar o Caminho de Santiago e usufruir de suas facilidades aquele que o faz a pé, de bicicleta ou a cavalo. Talvez por isso tenha hoje tanto sucesso.
Muitas pessoas em todo o mundo tentam repetir a receita de sucesso do Caminho de Santiago. Gostaria de comentar sobre um caminho que, para mim, melhor conseguiu condensar as características daquele caminho europeu aqui em nosso país: o “Caminho da Fé” (clique aqui para saber mais sobre o Guia Caminho da Fé).
Começo a analisar as semelhanças do Caminho da Fé com o Caminho de Santiago de uma forma técnica, sem paixão:
– O peregrino deve realizar o caminho a pé, de bicicleta ou a cavalo para poder usufruir das facilidades do caminho.
– Os dois Caminhos possuem mais de uma cidade como “porta” de começo; o peregrino pode iniciar em qualquer delas ou também em qualquer cidade do meio do Caminho, possibilitando que cada um realize o percurso que deseja conforme suas possibilidades.
– Nada é cobrado daquele que deseja fazer o Caminho, basta adquirir uma credencial por um valor simbólico. A credencial serve para colecionar carimbos que provam a conclusão de cada percurso e ao final, conforme a distância percorrida, o peregrino recebe um certificado elaborado pela própria Igreja Católica (quase igual… a diferença é que em Compostela o certificado é escrito em latim e não na língua local e, conforme a fé católica, tem também o poder de, juntamente com outros ritos, perdoar pecados).
– Não é necessário nenhum guia, o caminho é todo sinalizado com setas amarelas, ninguém é obrigado a ir em grupo ou pagar algum tipo de seguro, nem tem nenhum acompanhamento extra, todos tomam seu risco em sua própria aventura pessoal no exato momento em que se sentem tocados a fazer o Caminho. Pode viajar hoje com alguém e amanhã sozinho, conforme o acaso ou o desejo daquele dia em particular. Apesar do brasileiro se dar bem e gostar muito de fazer coisas de forma coletiva, os dois Caminhos tentam induzir as pessoas através da repetição das passadas ou pedaladas a um transe meditativo, o que leva à introspecção e ao autoconhecimento.
– Simplicidade de hospedagens quase igual. A adaptação da palavra albergue utilizada na Espanha não tem boa aceitação no Brasil. Houve um tempo em que o peregrino poderia fazer o Caminho de Compostela sem gastar com hospedagem, havia vários albergues pelo caminho que somente aceitavam doações, hoje as doações são compulsórias e existem muitos tipos de hospedagem por todo o Caminho. Atualmente os dois caminhos são parecidos, pois as hospedagens são muito mais baratas que a média nacional e nos dois Caminhos um peregrino pode ficar hospedado hoje em uma casa de um humilde camponês e amanhã ficar em um hotel de alto nível que, por acreditar nos princípios do Caminho, mantém quartos muito baratos somente para aqueles que fazem o trajeto, como é o caso do hotel de Andradas/SP.
– Tamanho é documento: com cerca de 570 km de extensão (veja o mapa do percurso), o Caminho da Fé pode oferecer um tempo de conclusão longo o bastante para que o peregrino viva a experiência da peregrinação, assim como o Caminho Espanhol com cerca de 800 km.
– Fé nacional: nos dois Caminhos os peregrinos caminham em direção a uma cidade que goza de fé nacional. Isto inspira muito respeito nas relações entre o peregrino e os naturais das cidades do caminho. Lembro de duas senhoras espanholas que com orgulho saíram da calçada para me dar lugar para passar dizendo “Para os peregrinos, tudo!”. No Brasil também não é difícil encontrar alguém que, ao saber que vai para Aparecida, lhe peça para fazer uma oração ou uma doação para a Santa. Para compreender melhor o que digo, basta imaginar alguém fazendo o “O Caminho de Shiva” aqui no Brasil, as pessoas não compreenderiam nem o nome.
Este conjunto de características geraram outras que encantaram muitos a realizar o Caminho da Fé. Hoje cerca de 3.000 pessoas realizam o Caminho por ano, o que por fim gera a última grande característica similar: quem faz o Caminho encontra e desencontra com pessoas que também estão buscando algo e não estão simplesmente esperando que aconteça. Cada um dá lições e recebe outras tantas conforme suas necessidades e obrigações frente ao universo. Com sensibilidade, o peregrino pode ver a “sorte” e o “acaso” acontecer enquanto vive sua liberdade e assume seus riscos.
Agora sim, falando como um apaixonado…. Quando fiz minha volta ao mundo de bicicleta, buscava primordialmente dois tipos de destinos: parques nacionais e lugares sagrados. Visitei as cidades de Fátima (Portugal), Santiago de Compostela (Espanha), Lurdes (França), Pádua (Itália), Roma (Itália), Jerusalém (Israel) e Monte Sinai (Egito). Isso sem falar no templo dourado de Amiritsar (Punjab – Índia, sagrado para os sikis), Dharamshala (Himachal Pradesh – Índia, sagrado para os budistas), na mesquita Dourada (Israel, sagrado para os muçulmanos), Kurukshetra e o rio Ganges (Índia, sagrados para os hindus). A peregrinação é um tema que sempre me fascinou.
Posso dizer que o fato de ter feito o Caminho de Santiago no princípio de minha viagem de volta ao mundo, norteou o sistema de minha viagem. Ao invés de buscar somente entretenimento, passei a fazer uma verdadeira peregrinação em busca de aprendizado e autoconhecimento enquanto conhecia também o mundo externo.
Percebi que mesmo em culturas muito diferentes o sistema da peregrinação é utilizado com muita eficiência. Os hindus peregrinam em formas absurdamente sacrificantes, há quem segue para o lugar sagrado rolando seu próprio corpo pelo chão. A peregrinação à Meca está entre as cinco obrigações mais sagradas do muçulmano. Juntamente com as rezas diárias o muçulmano que pode, deverá peregrinar pelo menos uma vez na vida à cidade sagrada de Meca.
Por fim, mesmo para quem não tem fé alguma, não se preocupe, provavelmente ninguém mais realmente acredita que os ossos de Santiago estão lá na Espanha, não há provas disso. O mais importante é o sistema da peregrinação, uma viagem onde não buscamos entusiasticamente entretenimento, e sim aprendizado.
Quem decide viajar de bicicleta assume as dificuldades do caminho seja lá para onde irá levá-lo, aqueles que veem nas experiências de vida oportunidades para aprendizado perceberão as semelhanças dos Caminhos da Fé e Santiago. Seus tantos percalços ensinam a vencer as dificuldades de nosso próprio caminho evolutivo.
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