ESPECIAL CICLOTURISMO | BIKE ACTION
ESPECIAL CICLOTURISMO | BIKE ACTION
Leia na íntegra a entrevista de Antonio Olinto para o jornalista e biker André Piva da Bike Action, publicada no Especial Cicloturismo da edição 102 (fev. 2009):
O que significa para você o cicloturismo/cicloviagem (no sentido de liberdade, prazer e satisfação)?
Minha concepção de cicloturismo está profundamente ligada a minha experiência de volta ao mundo. Viajando de bicicleta eu consegui um equilíbrio muito próximo à perfeição: gastava pouco, aprendia muito e me exercitava bastante, ganhando cada vez mais força e vivacidade. Além disso, a bicicleta carregada atrai as pessoas e pude me relacionar muito mais e melhor em qualquer parte do mundo, fazendo com que eu conhecesse não só os lugares, mas as pessoas, que são um verdadeiro universo interior. Por fim, a cadência do pedalar em longas travessias solitárias é como um mantra que me levou a uma viagem interior, fazendo-me enfrentar e conhecer melhor a mim mesmo. É este conjunto de características que, a meu ver, suportam o sentimento de verdadeira liberdade. Isto tudo eu percebi e confirmei através dos anos de viagem, mas qualquer um que pega uma bicicleta e dá uma voltinha no parque já poderá sentir junto com o vento no rosto a agradável sensação de liberdade que a bicicleta proporciona.
Você prefere viajar autônomo ou com apoio? Exemplifique, se possível.
Autônomo. Autonomia é quase um sinônimo de liberdade. Liberdade é o que mais busco numa viagem de bicicleta. Nada contra viajar em grupos (como fizemos em 1998 junto com Renata Falzoni indo para Brasília), foi ótimo, mas as relações ficam muito mais com o grupo que com o ambiente. Por outro lado o apoio retira muito da sensação de aventura, pois traz segurança que me soa como seu antônimo. Claro que para quem não está habituado e tem receio, o melhor é sempre viajar se sentindo seguro. O interessante é que viajando sozinho no deserto ou em qualquer lugar do mundo eu me sinto seguro. Por fim, acho que somente em um caso sou realmente contra o carro de apoio: quem viaja com carro de apoio perde a chance de aprender a lição do despojamento. Quem faz o Caminho de Santiago ou o Caminho da Fé aprende que tem que carregar tudo o que precisa. Quando sente o peso da carga começa a se desvencilhar de muitas coisas supérfluas e percebe que precisa de poucas coisas para sobreviver. Logo aprenderá que precisa de menos ainda para ser feliz.
Qual foi sua primeira cicloviagem? E qual foi o principal aprendizado?
Bem, eu fiz somente duas pequenas viagens antes de fazer a volta ao mundo. Saí de Curitiba e acampei no Rio dos Papagaios (quase 140 km ida e volta) e voltei no outro dia. Na segunda saí de Curitiba e fui até o Cânion Guartelá (400 km ida e volta). Dois dias para ir e dois para voltar, um dia no Parque, tudo dentro do feriado de Carnaval. Esta história eu conto no livro No Guidão da Liberdade, copio e colo aqui:
“Já tinha bastante experiência em viajar de moto, talvez por isso a bicicleta me deixou tão fascinado. Andei a tarde toda e no final do dia, já na serra, começou a chover e fazer frio. Quando cheguei ao rio dos Papagaios, abriguei-me em um quiosque do parque, troquei minha roupa molhada e comecei a sentir a diferença e a “magia” da viagem em bicicleta!
Meu corpo, quente pelo exercício, relaxava e, enquanto cozinhava uma sopa instantânea, imaginava como alguém compreenderia minha felicidade, realização e sentimento de conquista se não vivesse a experiência de uma viagem de bicicleta pelo menos uma vez na vida. Se estivesse na mesma situação, viajando de moto por exemplo, tudo seria diferente. Mesmo que tivesse percorrido muitos quilômetros naquele dia, estaria triste por ter que enfrentar o mau tempo e frustrado por a chuva ter estragado meu programa. Com certeza, o frio estaria congelando meus ossos, pois na moto não faço exercício e só perco calor para o ambiente. Sentindo tudo isto pensaria: “Que estou fazendo aqui sozinho?!!”.
Só então pude entender por que aquele senhor que encontrei em Santa Catarina estava tão tranqüilo e satisfeito naquele dia de chuva. O que geralmente é tido como problema, a bicicleta transforma em desafio que, ao ser superado, nos dá o gosto da vitória e da superação de nós mesmos.”
Quais são os cuidados que um cicloviajante precisa tomar em sua 1a viagem?
Acho difícil responder esta pergunta de forma geral, pois cada um tem uma experiência antes desta primeira viagem. Se for uma pessoa muito inexperiente, o melhor é treinar muito. Não há como viajar sem treinar, no treino geralmente acontecem coisas e já ganhamos experiências necessárias para enfrentar o inesperado. Vejo muitos falarem um monte de regras, mas a liberdade não vive com tantas regras. Dou um monte de dicas em meus livros, mas sei que o melhor sistema é o que cada um cria diante de suas próprias necessidades.
Na sua opinião, quais são os 5 melhores destinos/roteiros para cicloturismo no Brasil?
O melhor destino é aquele que vai na direção da realização do sonho pessoal. Cada um tem um sonho e deve buscar não fora, mas dentro de si. Conheço muito bem o Caminho da Fé e sei que ele é a melhor adaptação do Caminho de Santiago ao Brasil. Sei que ele tem uma grande estrutura para suportar os viajantes. Para quem busca mais aventura perto de SP, eu editei um outro guia com quase 2000 km planilhados na Mantiqueira. Algo para ser explorado com total liberdade, sem setas indicando o caminho e sem carimbos em passaportes. Cada um, com o guia na mão, decide de onde sair, até onde ir, como e até quando continuar. Talvez tanta liberdade não seja assim tão fácil de digerir, talvez as pessoas precisem de circuitos bem fechados e embalados. Mas a liberdade é a proposta do Guia. Conheço muitas outras regiões do país que pretendo um dia planilhar em um guia, mas sei que cada um tem um gosto próprio. Reputo como interessantes a Estrada Real, Chapada da Diamantina – BA, o Itaimbezinho – RS, a Serra do Rio do Rastro – SC, Prudentópolis – PR e assim vai.
E os 5 melhores roteiros/destinos internacionais?
Bem, agora danou-se!!!
É muita diversificação e se eu tivesse que dize o melhor, para mim, são lugares de montanhas e desertos. Do que me vem à mente e que já visitei de bike: Deserto de Negev – Israel, Alpes Franceses, Himalaias Indianos, Rochosas – USA, Fijordes da Noruega. Os Andes então, são uma paixão. São tema de meu último livro. No começo de fevereiro inicio, juntamente a Rafaela, uma viagem em que vou visitar os passos existentes entre Bariloche e Ushuaia. Nesta viagem eu termino meu projeto de conhecer todos os passos existentes entre Chile e Argentina, desde o extremo norte até Ushuaia.
Quantas viagens você ja fez?
Não lembro tenho que contar….
Bem, para facilitar, dá para dizer que depois que deixei minha profissão para fazer a volta ao mundo, nunca mais parei. Para ter uma idéia eu moro em um motor home e sem endereço fixo… O que dizer?!
Quantos e quais livros já foram publicados sobre cicloturismo? Comente brevemente sobre seu último livro.
Quando cheguei de volta ao Brasil tinha muita vontade de divulgar o cicloturismo, por isto escrevi o livro “No Guidão da Liberdade”. Sabia que ele poderia ser o veículo para levar adiante esta ideologia. Este livro me traz até hoje grande satisfação através das pessoas que me escrevem após terminarem a leitura. Na época haviam poucos cicloturistas no Brasil, agora já somos muitos e percebo que as pessoas estão sedentas de roteiros e informações para viajar mais e melhor. Sob este prisma eu comecei a pesquisar roteiros na Mantiqueira e depois de 3 meses de trabalho de campo lancei um guia para as pessoas viajarem pela Mantiqueira, o “Guia de Cicloturismo – Mantiqueira”.
As faces do cicloturismo são tão ecléticas como a quantidade de sonhos das pessoas do mundo. Num segundo tempo fiz o “Guia Caminho da Fé – Para ciclistas e caminhantes”, que já está em sua segunda edição totalmente atualizada. Esta adaptação do Caminho de Santiago ao Brasil tem atraído várias pessoas para esta forma de viagem, onde ao invés de buscar entretenimento e “relax”, o viajante busca aprendizado e introspecção. Finalmente, após o terceiro livro, tomei coragem de escrever um livro de texto novamente. Sempre imaginei que já havia dito tudo o que precisava dizer no “Guidão da Liberdade”, mas acho que o que escrevi no livro “7 Passos Andinos – Uma aventura de bicicleta pelos desertos da cordilheira” é muito válido para demonstrar uma outra faceta do cicloturismo, a qual gosto muito também, a “aventura”.
Nesta viagem, a proposta era atravessar as sete passagens de montanha mais altas da Cordilheira dos Andes. Todas estão em meio às fascinantes paisagens do deserto de Atacama, na fronteira entre Chile e Argentina, desde o extremo norte até a altura da cidade de Mendoza (Argentina).
Quando numa viagem atravessamos a fronteira do que foi planejado, daquilo que foi programado, entramos no campo da aventura. Acredito que podemos planejar somente no limite do que conhecemos e quando em uma viagem acontecem coisas inesperadas, entramos no campo do desconhecido, neste campo desenvolvemos, aprendemos e encontramos soluções. Por outro lado, nesta viagem estava com um bom equipamento de vídeo e acho que consegui mostrar em um DVD como é uma verdadeira aventura.
É preciso ser “milionário” para viajar de bicicleta?
Pode ser?!?! Não sei?!?! Em minha volta ao mundo vi realidades de primeiro ao quinto mundo e aprendi que este assunto é muito relativo. Eu fiz uma volta ao mundo em 3,5 anos, 34 países de 4 continentes. Gastei no total de US10.000. Até poucos meses atrás isto significava o valor de um carro 1000 cc que a gente vê aos montes pelas ruas.
O fato é que no cicloturismo a dificuldade “dinheiro” é uma das menores. Isto o torna bastante acessível, mas nem por isto é “facinho!!!”…. Os maiores desafios não estão ligados a recursos materiais. A dificuldade está dentro de nós mesmos para desenvolver o desprendimento, a persistência, a coragem e assim por diante.
Qual é seu sonho no cicloturismo?
Meu sonho no cicloturismo é continuar o que tenho feito. Guias de cicloturismo e viagens de bicicleta. Quero continuar a divulgar o cicloturismo no Brasil em suas inúmeras vertentes. Sinto grande satisfação quando as pessoas me escrevem dizendo das maravilhas que observaram em suas viagens de bicicleta. Esta parte de meu trabalho é impagável e eu sou profundamente grato aos colegas e amigos cicloturistas que escrevem após realizar suas viagens.
Como foi trocar a vida profissional convencional para tornar-se um especialista em cicloviagem?
No fundo a sensação é indescritível, mas posso tentar esboçar da seguinte maneira: é como entrar em um acelerador de partículas e começar a desenvolver-se em uma velocidade que jamais imaginamos ser possível. Quase tudo tomou nova dimensão, vivi mais e melhor, ganhei o controle de meu “tempo”, ganhei saúde, amigos e experiências únicas. O interessante é que não sou nem mais nem melhor que ninguém. A realização do sonho está lá esperando o sonhador verdadeiro, qualquer um que deseje de verdade terá tantas experiências quanto quiser. O mundo está esperando a visita sua, meu caro amigo leitor da Bike Action…
Sobre as fotos, envie por favor uma sua e outra dos cumes da Patagônia. Imagino que você deva ter imagens imperdíveis…