leitura de mapas em viagem de bicicleta; planejamento do cicloturismo

LEITURA DE MAPAS | Artigo publicado na REVISTA BICICLETA – Edição 08 – agosto/ 2011.


Obter informações sobre os caminhos que pretende fazer de bicicleta sempre ajuda no planejamento de uma viagem. Principalmente em uma região montanhosa, é muito importante saber onde estão as subidas e onde ficam os “tops” para programar o tempo de conclusão do percurso e saber se conseguirá chegar ao próximo ponto de abastecimento.

Enquanto viajava pelo Brasil, sempre utilizei os mapas do Guia 4 Rodas, era o melhor mapa que podia encontrar. Estava bom, pois nessa fase da minha vida só viajava de moto. Somente quando comecei minha viagem de bicicleta pela Europa é que descobri o que são mapas de verdade. Vendidos até em supermercados, os bons mapas indicavam o grau de inclinação, as estradas mais bonitas e principalmente o ponto mais alto das passagens de montanhas, os chamados “passos”.

Não podemos esperar encontrar um guia de cicloturismo de cada caminho que sonhamos percorrer. Muitas vezes só conseguimos encontrar um mapa bem ruinzinho da área, mas podemos obter muitas informações mesmo com um mapa simples nas mãos.

Fiquei quase seis meses viajando entre Índia e Nepal (em 1994 e 1995) e todo o planejamento foi feito com base em um único mapa muito simples. Em nossa viagem de bicicleta pelos Andes Peruanos (2011), nós só conseguimos achar um mapa básico e com poucas informações, tendo em vista o grau de dificuldade da nossa aventura.

Tomando como base os mapas que utilizamos nessa viagem pelo Peru, faremos alguns comentários que podem ajudar o cicloturista a tirar o máximo de informação simplesmente observando o mapa.

Ter em mente os pontos cardeais é uma obrigação, sem essa noção não conseguirá nem posicionar o mapa para começar a observar.

O indício mais fácil de perceber uma subida é observar se o desenho da estrada faz ziguezague. Geralmente uma estrada é construída o mais reta possível; ela fará uma volta para desviar de obstáculos grandes e abruptos como morros e lagos, mas fará ziguezague só para vencer grandes montanhas.

MAPA 01

No MAPA 01 observe o caminho que sai de Yungay, no vale do rio Santa, e sobe para a Cordilheira Branca através do passo de Llanganuco, que está a 4.767 m de altitude. Veja que existem dois pontos onde o desenho da estrada faz ziguezague: logo na saída da cidade e depois, já bem perto do topo, no passo. Ou seja, podemos prever fortes subidas logo ao sair da cidade, um caminho plano ao lado do lago e mais subidas fortes perto do passo.

Depois dele, a estrada começa a descer, esse é o ponto onde a estrada “passa” para o outro lado da serra. Sempre que o desenho da estrada faz um ziguezague a subida é mais íngreme, pois a estrada necessita dar várias voltas para vencer a montanha. Entretanto, você só poderá observar esse desenho em mapas com uma escala grande, ou seja, mapas mais detalhados como este da Cordilheira Branca.


Mas o que é escala?
Escala é a proporção utilizada na representação gráfica de um objeto. Um mapa na escala 1:100.000 (lê-se um para cem mil) por exemplo significa que cada 1 cm no mapa equivale a 100.000 cm, ou seja, 1km.


Outro indício importante se relaciona com o curso dos rios. A água sempre desce para o mar, então, se observarmos que nosso caminho segue ao lado do rio até sua nascente, saberemos que o caminho sobe com um grau constante de ascendência, como a do rio, que geralmente não é muito íngreme.

Se a região for montanhosa e o caminho em algum momento sai do lado do rio e volta mais tarde para ele, pode indicar uma subida íngreme para vencer uma cachoeira ou um cânion, onde não passam estrada e rio juntos; ou ainda como no MAPA 02, quando saímos de La Union em direção a Huánuco. A princípio, o caminho descia o rio com inclinação suave até o ponto onde a estrada saiu do lado do rio, subiu cerca de 500 m para chegar à pequena Pachas e depois desceu até encostar novamente no rio.

MAPA 02

Às vezes é nítido que a estrada segue subindo pelo rio quase até a nascente, quando abandona este rio e continua descendo do outro lado por outro rio que nasce na mesma região mais à frente. Mesmo que o mapa não tenha nenhuma indicação de relevo, poderemos saber até onde o caminho sobe suave (enquanto está ao lado do rio), onde sobe mais forte (quando atravessa a serra) e onde volta a descer suavemente do outro lado da montanha (quando desce ao lado do outro rio).

Veja o mesmo MAPA 02, depois de passar por Pachas e voltar para o lado do rio Vizcarra, bem no entroncamento, começamos a subir lentamente, costeando o rio Maranhão. Quando finalmente deixamos o rio para seguir o rumo de Chavinillo, o caminho subiu e só voltou a descer para encontrar o rio Mito, que segue em direção a Huánuco.

Nosso mapa tinha escala muito reduzida, mesmo assim, uma vez sabendo que ele está em escala, ou seja, que a proporção nele é correta, pudemos tirar informações interessantes a respeito da estrada.

Voltemos para o MAPA 02. Observe a discrepância entre o trecho entre as cidades de Chavinillo e Huancapallac (51 quilômetros) e o trecho de Chavinillo até o cruzamento antes de Quivilla (36 quilômetros). O mapa mostra uma área percorrida maior para 36 km e uma área percorrida menor para os 51 km, será que o mapa é desproporcional?

Não, já sabíamos que o mapa estava na escala. O fato é que em um percurso andamos em um caminho plano ao lado do rio e em outro atravessamos uma montanha com muitas pequenas curvas que não são percebidas na escala do mapa, fazendo com que a distância percorrida ficasse maior numa mesma área no mapa.

Para compreender melhor, observe dois detalhes nos MAPAS 03 e 04. Entre as cidades de Mollepata e Pallasca o trajeto tem 31 quilômetros. Agora compare com o trajeto entre Carhuamayo e Junin. Com 30 quilômetros, a estrada segue no altiplano ao lado do Lago Junin e de uma linha férrea linear (dois outros indícios de planura – lago e trem – um trem geralmente não consegue vencer grandes inclinações).

MAPA 03 | trajeto entre Mollepata e Pallasca
MAPA 04 | trajeto entre Carhuamayo e Junin

Depois de ver o mapa, veja as fotos dos dois caminhos. Agora dá para compreender bem a razão da discrepância, certo?

Trajeto entre Mollepata e Pallasca
Trajeto entre Carhuamayo e Junin

Quem possui alguma experiência já deve ter constatado, mesmo que empiricamente, algumas dessas observações, mas devemos lembrar que elas são somente indícios e não regras. Veja no Documentário dos 7 Passos Andinos a descida que fizemos até San Pedro de Atacama. A estrada é praticamente reta, mas o desnível é de quase dois mil metros.

Essas noções podem ser importantes, pois mesmo que você saia de casa com tudo programado dentro de seu GPS, um dia poderá ficar sem baterias ou ter que mudar de caminho no meio da viagem e ter que decidir seu novo trajeto só com um mapa bem precário nas mãos.


Conheça o conteúdo de nosso LIVRO de PREPARAÇÃO PARA UMA GRANDE VIAGEM DE BICICLETA.


ADQUIRA NOSSOS GUIAS e LIVROS e tenha acesso a informação de qualidade para planejar e executar sua viagem.