PLANEJAMENTO: a AVENTURA começa aqui!
PLANEJAMENTO para AVENTURA de BIKE
Matéria publicada na REVISTA BICICLETA – EDIÇÃO 80 – DEZEMBRO/2017
Quando olhamos para trás e pensamos nas razões que nos levam a fazer uma viagem, percebemos que tudo sempre começa com um sonho, um desejo de conhecer uma região ou um país e sua cultura. Claro que o sonho é subjetivo, etéreo, e existe um longo caminho para chegar à escolha da específica estrada pela qual iremos passar. Gostaríamos de falar um pouco sobre as nuances do planejamento de nossa viagem pelo Oriente Médio.
Tempo X Quilometragem: Ao adequarmos estas duas grandezas, procuramos ser generosos conosco para não transformarmos toda e qualquer viagem em um enduro. Entregamo-nos o tempo de descansar, relaxar e aproveitar tudo o que vemos, separamos até um pouco a mais, pois certamente acontecerão imprevistos. Numa viagem dura como a que fizemos em 2015 (do Altiplano Andino ao Deserto de Atacama), em quatro meses de viagem pedalamos apenas 2700 km.
Num estilo completamente diferente, nossa expectativa para o Oriente Médio seria a de utilizar muito mais rodovias asfaltadas e chegar perto da média mensal normal de uma grande viagem de bicicleta, 1.500km por mês (ou seja, algo em torno de 5.500km para quatro meses de viagem).
Queríamos distribuir nosso tempo igualmente entre Turquia e Irã, e começamos a estudar os possíveis pontos de entrada e saída destes países, melhor época para pedalar, bem como os documentos e vistos necessários.
As passagens mais baratas vão e voltam sempre pelo mesmo ponto, mas percebemos que com um valor um pouco maior poderíamos chegar por Istambul e voltar por Teerã. Entretanto, nossas informações sobre o Irã não eram consistentes e havia o risco de nem ser possível entrar pedalando, ou talvez não nos concedessem a extensão do visto para o segundo mês. Ou seja, se deixássemos para voltar pelo Irã, poderíamos nem conseguir entrar no país, ou seríamos obrigados a ficar somente um mês, que é o tempo de um visto normal.
– A solução é simples… Por que não começam a viagem pelo Irã e terminam na Turquia?…
Bem, agora é que a coisa começa a complicar… Chegaríamos ao Irã no top do verão e teríamos que seguir primeiro para o sul, conhecendo o país, e depois para noroeste, onde fica a fronteira com a Turquia. O Sul do Irã é simplesmente causticante nessa época.
– Sem problemas, vocês podem ir no outono, pronto… Afinal Turquia e Portugal estão na mesma distância da linha do Equador, o começo do inverno é ameno em Portugal, já estive lá nesta época…
Sim, o outono na Europa realmente não é muito ruim, mas isso não acontece em todos os lugares de mesma latitude. A Corrente do Golfo mantém a Europa muito mais quente que os locais de mesma latitude no EUA e Canadá por exemplo. Ao contrário, se passássemos o outono no Irã, iríamos atravessar o platô da Anatólia em pleno inverno. Com altitudes médias acima dos 1.000 metros, a região possui clima Temperado Continental, ou seja, quando é calor, é muito calor, e quando é frio, é muito frio. Estamos falando de dezenas de graus abaixo de zero, e com muita neve nas estradas.
Com tudo isso, fechamos o seguinte planejamento: conseguimos uma passagem barata de ida e volta para Istambul para o dia 27 de junho de 2017 (US$ 971,00 (dólares americanos)). A partir de lá pegaríamos um ônibus para Pamukkale, que é o ponto mais a leste que consegui chegar quando fiz a volta ao mundo de bicicleta.
A partir de Pamukkale seguiríamos pedalando para nordeste em direção a Capadócia e Irã. Mesmo andando em ziguezague, tentaríamos evitar a parte sul da Turquia, pois é mais baixa e quente que o platô da Anatólia, e pior, como faz fronteira com a Síria, toda a região poderia estar tensa com os combates e os refugiados do país vizinho.
Pedalando tranquilamente conseguiríamos chegar à fronteira com o Irã em um mês e meio, e gastaríamos mais um mês para chegar ao sul do país, assim as temperaturas estariam mais amenas para atravessar o Deserto de Kavir e outras atrações da parte sul.
Depois de pedalar por dois meses pelo Irã, voltaríamos para a Turquia e ainda estaríamos no outono, quando o frio não é tão intenso, mas sempre existe a possibilidade de cair neve. Depois de passar mais uns 10 dias pedalando pelo leste da Turquia pegaríamos um ônibus para Istambul, quando poderíamos conhecer a cidade e retornar ao Brasil.
Com essa estratégia poderíamos viajar com uma quantidade mínima de equipamentos como nunca fizemos antes (15 kg cada um, a metade do que carregamos em 2015).
Tendo em vista que os dois países são muito grandes, prevíamos a utilização de ônibus em dois trajetos: do ponto final do circuito dentro do Irã até a fronteira com a Turquia e do leste da Turquia até Istambul, já no final da viagem. Tínhamos a informação de que as passagens de ônibus são muito baratas em ambos os países, felizmente. Mesmo assim restavam algumas incertezas.
No Irã, as mulheres são obrigadas por lei a usar um véu cobrindo o cabelo, mas isso não é tudo. Em 2016, fizeram uma lei proibindo mulheres de andar de bicicleta em locais públicos, entretanto, o Irã é parecido com o Brasil, as leis são como apelidos, umas pegam outras não… Por exemplo, apesar de haver previsão legal no Brasil para multar o motorista que não respeita a distância de 1,5m ao ultrapassar um ciclista, só conhecemos um caso em que esta lei foi aplicada… Sabíamos que como estrangeiros as autoridades iranianas seriam mais condescendentes, mas certeza, não tínhamos…
Por outro lado, mesmo que nos deixassem entrar e pedalar pelo país, o Irã só concede visto de um mês, e dependíamos da boa vontade das autoridades para receber uma extensão do visto e ficar os dois meses, como planejamos.
Nós gostamos de viajar de bicicleta e não iríamos entrar no país para viajar de outra forma, então, se não fosse possível pedalar pelo Irã ou se somente pudéssemos ficar um mês, colocaríamos em prática o plano “B”: seguiríamos para o norte, pedalando por Geórgia e Armênia (países que não exigem visto para brasileiros) pelos meses que sobrassem, e depois voltaríamos para a Turquia.
Com o espírito tenso, mas livre, começamos a selecionar o que havia de interessante e o que seria possível ver pelo caminho, talvez esta seja a parte mais dura do planejamento. Quanto mais pesquisamos, mais destinos queremos visitar, isso aumenta a quilometragem e o risco de transformar a viagem em um enduro.
Por outro lado, só sonhamos com algo que conhecemos, por isso temos a tendência de desejar visitar os locais mais famosos. Pois bem, lamentamos dizer que, no geral, os locais mais famosos estão sempre cheios e concorridos, consequentemente não seremos tão bem tratados quanto em locais que ninguém nunca ouviu falar. Um viajante convencional terá dificuldades para chegar a locais com pouca fluência de turistas, mas o cicloturista não. São nestas pequenas localidades que geralmente acontecem as experiências mais interessantes de toda a viagem, por isso o caminho é sempre mais importante que o destino final.
Mas como descobrir estes locais?… Simples, fale com quem conhece bem a região…
Quem já assistiu nosso documentário sobre Ladakh, viu a entrevista com nosso amigo italiano Roberto Rineri, ele é um apaixonado pelo Irã e participou de todo nosso planejamento. Da mesma forma com que ele nos ajudou tanto, nós repassaremos todo o conhecimento dele para os leitores da Revista Bicicleta. Acreditamos que assim perpetuamos o sentimento de solidariedade e confiança que existe entre os viajantes aventureiros por todos os lados do mundo.
Claro que estes pontos do roteiro são apenas um esboço, sabemos que a viagem tem muito mais que as duas dimensões de um mapa.
A melhor parte não está nestes atrativos que sonhamos conhecer, e sim em tudo aquilo que viveremos, vivenciaremos e aprenderemos pelo caminho. Tudo aquilo que não podemos planejar tem o poder de transformar a viagem em uma verdadeira aventura.
Imagens que ilustram o texto:
Imagens dos lugares de intresse, constantes no mapa do roteiro planejado:
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Matéria publicada na REVISTA BICICLETA – EDIÇÃO 80 – DEZEMBRO/2017