VIAGEM de BICICLETA pela ÁUSTRIA


Assista à série de reportagens sobre a viagem de bicicleta pela Áustria, desde o Tirol até Viena, pedalando pelo vale do Rio Danúbio e do Rio Tauern , e um passeio de bicicleta pela trilha de Beethoven em Mödling, perto de Viena:

Viagem realizada em abril de 1999.



RELATO DA VIAGEM DE BICICLETA PELA ÁUSTRIA


viagem de bicicleta pela Áustria - Programação do Velocity 99
Programação do Velocity 99

Puxa, nem acreditei quando vi meu nome na programação do décimo primeiro Velocity na Áustria. Já enviara meu histórico e os resultados do meu Projeto de divulgação do Cicloturismo havia muito, mas só teriam 5 minutos para minha apresentação. Fiquei decepcionado, entretanto, quando chegou a programação final descobri que fizeram uma seção especial onde eu poderia falar por mais de uma hora e apresentar slides sobre minha viagem. Uma palestra inteira sobre a volta ao mundo em bicicleta, nada mais conveniente já que o pseudônimo desta conferência internacional era “Cruzando Fronteiras”.

Cheguei à Áustria no sábado 09 de abril de 1999. Na Segunda, já havia montado minha bicicleta e comecei a conhecer de verdade a região. Estava hospedado na casa de Sigrid, minha amiga austríaca, em uma pequena cidade perto de Viena chamada Mödling, onde vivia Beethoven. A região é predominantemente plana, mas perto da cidade há morros com belos bosques onde o compositor costumava caminhar e conseguir inspiração para suas obras. As trilhas são bem sinalizadas, a mata não é tão fechada quanto a nossa e o passeio pela trilha de Beethoven não poderia ser mais bucólico.

Em meio a ruínas de castelos e templos, de repente em uma descida surge um cruzamento. Na placa mostrava a direção e uma partitura musical com a letra da famosa “Missa Solene” a qual ouso esboçar uma tradução.

“Eu vejo que todas as árvores falam comigo nesta mata.
Santa, santa!!! É um deleite estar na floresta!!!
Quem poderia descrever isto?!?
O doce silêncio das árvores.”

Notz Beethoven 1815.

Sempre imaginei que a apreciação pela natureza era uma reação do homem moderno a opressão das grandes cidades, mas ao que parece, Beethoven se comunicava de forma silenciosa com a natureza e reverenciava a importância de cada árvore como um ser vivo numa atitude prá lá de ecológica.

Continuando nosso circuito, chegamos a Baden. Cidade famosa pelos vinhos. Um pouco desta bebida pagã não faz mal para ninguém, ainda mais se tomado direto da fonte produtora como é servido nos bares pela cidade.

A boa técnica do cicloturista manda ir por uma estrada e voltar por outra diferente, assim, deixamos os morros de lado para regressar a Mödling através da planície com vinhedos, ainda em broto, por todos os lados. Apenas quarenta e poucos quilômetros em um único dia e tanto para contar, é impressionante como podemos ver e viver mais de cada região quando estamos em uma bicicleta.

A primavera empurra o por do sol a cada dia para mais tarde. Ainda houve tempo na segunda de pegar um trem e ir até Graz onde seria realizado o Velocity 99.

Quatrocentos participantes, mais de quarenta delegações estavam representando 38 países na conferência, não poderia deixar de encontrar os primeiros congressistas no trem. Vestuário de esportista e a inconfundível bolsa de guidão a tiracolo serviram como um “crachá” para que eu reconhecesse Ted e seu filho. Cicloturistas escoceses que após a conferência iriam, como eu, pedalar um pouco pela Áustria.

Na abertura estava tudo muito “chique”. Na mesa, os “grandes” da organização e alguns dos responsáveis por transporte da Comunidade Econômica e dos Estados Unidos. Após os discursos, palestras sobre os mais variados temas. A bicicleta é tão importante por aqui que jamais é definida como um brinquedo de criança, ao contrário, percebi que é considerada uma das melhores soluções para o transporte de curta distância em grande cidades modernas.  Principalmente na Europa, várias cidades passaram a fechar sua região central para o tráfego de carros, aumentando a importância deste veículo auto sustentável.

Em minha especialidade, tomei conhecimento de projetos homéricos de circuitos cicloturisticos cruzando países inteiros. São quase como rodovias nacionais para bicicleta.

Com o final do milênio os Estados Unidos e a Inglaterra pretendem entregar a seus cidadãos e ao mundo a opção de viajar em bicicleta. Isto parece coisa só de país rico e de primeiro mundo, mas para minha surpresa Romênia, Eslovénia, República Tcheca e Polônia também já estão adiantados nestas idéias, demonstrando que o cicloturismo é uma questão de consciência de desenvolvimento turístico.

Não faltou pompa e luxo. Jantar com o Prefeito de Graz. Viagem de “Maria Fumaça” até Maribor na Eslovénia (onde desenvolveu-se parte da conferência), banda de música, espetáculos típicos e uma escolta policial muito especial, de bicicleta, é claro.

Sexta-feira, último dia de congresso. Ainda consegui tempo para visitar uma das maiores coleções de armas e armaduras antigas do mundo. Em Graz está o único museu onde o arsenal está guardado em um prédio original, tal como na época antiga.

Em meio as despedidas e abraços ficaram duas importantes lições.  A primeira foi no discurso do secretário de transporte da comunidade européia quando conclamou aos presentes a responsabilidade para comandar mudanças no sistema viário em seus países. A outra, foi nas palavras de Ted ainda no trem para Graz:

A humanidade está como um navio em rota de colisão contra um “iceberg”. Entretanto, basta apenas um pouco de consciência e mudança de pequenas atitudes para mover alguns graus na trajetória desta embarcação e evitar a eminente catástrofe da poluição e neuroses nas grandes cidades.

Cheguei em Mödling na Sexta à noite, no Domingo comecei a viagem rumo ao ponto inicial do circuito de bicicleta. Eu e Sigrid não tínhamos muito tempo, então resolvemos aproveitar as facilidades de um país onde a bicicleta é realmente considerada como um veículo. Na Áustria, sempre há uma forma de se viajar com sua bicicleta. Há locais especiais para se carregar bicicleta no metro, e até nos trens de longa distância oferecem um vagão especial para as bikes.

A temperatura era amena na região de Viena, mas quando chegamos em Wald, já em meio aos vales Alpinos encontramos os campos cobertos de neve. O Sr. Alfredo, nosso anfitrião e amigo de Sigrid, disse que nevara na noite anterior e que isto não era muito comum nesta época do ano. Wald é uma cidade perto de Krimml onde está a mais famosa cachoeira do país. Ela desse em degraus por uns 400 metros.

O dia estava ensolarado e resolvemos seguir pelas ciclovias. Entretanto, o que deveria ser ciclovia tornou-se uma pista de esqui cross country. A neve encobria toda a superfície da estrada e não foi fácil vencer o trajeto. Claro que na neve fofa, pouco se pedala e mesmo assim a neve encravava em todos os lugares da bike igual a lama. Empurrei bastante mas no plano e na descida ia pedalando, digo, deslizando.

Da cachoeira fomos ao marco inicial de um dos circuitos ciclísticos mais conhecidos da Europa. O circuito de Tauern costuma receber 70.000 ciclistas por ano e é por ele que começamos nossa viagem rumo a Viena.

Minha colega Sigrid costumava pedalar uns 20 a 25 km umas duas vezes por semana, sendo assim, não estava em condições físicas para subir comigo o passo de Gerlos a 1628 metros de altitude. A subida não é exageradamente grande nem tão íngreme, mas nesta região e época do ano, muita coisa muda em 10 km. Logo o sol desapareceu atrás das nuvens e eis que de repente começa a nevar em plena primavera. Um espetáculo lindo, parecia que era feito para mim, já que eu era um dos únicos veículos da estrada e ninguém mais que um sul americano para valorizar esta neve temporona.

O passo é a parte mais alta de uma travessia de montanha e o Gerlos ainda é a divisa entre os estados de Salzburgo e Tirol. No topo dos 1628 metros tive que trocar minhas roupas umedecidas pela transpiração por outras secas e mais grossas a fim de suportar a congelante descida. Não há exercício e o vento tira todo seu calor, o peito funciona como um radiador de carro.

Voltei para Wald pela estrada antiga, ainda mais bonita e sinuosa. Depois do esforço da subida o sol reapareceu como um presente e fazia tudo brilhar muito mais; montanhas, árvores e até as casas cobertas de neve nas cidadezinhas lá em baixo no vale. Outro deleite! Quando cheguei na casa do Sr. Alfredo, Sigrid me esperava para um super lanche com os mais variados pães, queijos, mel e tudo o que se pode esperar desta região. Durante à noite, a temperatura baixou para –4C e a neve não parou de cair.

Na manhã de Terça-feira dia 20 de abril o sol brilhava como nunca e refletia em todas as superfícies cobertas de neve, lindo!!! Com esta paisagem começamos a pedalar logo depois do café da manhã. Fiquei impressionado! Durante quase todo o trajeto (inclusive até Viena) pedalamos por ciclovias, algumas vezes passamos por estradas rurais quase sem movimento de veículos automotores, mas sempre bem pavimentadas com asfalto ou brita.

Passei a entender porque 70.000 ciclistas fazem este circuito todos os anos, ele é de grande beleza e relativamente fácil.

As estradas na Áustria seguem pelos estreitos vales e em meu caso, seguindo da serra para a planície, o caminho era sempre levemente em decesso. Esta característica une as facilidades de pedalar no plano com a beleza das serras que estão dos dois logos. Como se não bastasse a beleza das montanhas, a natureza resolveu ser ainda mais pródiga com esta região. Quando passamos por Zell fizemos um lanche as margens do lago. A paisagem mistura o verde da grama, o branco da neve e dos cisnes com a água do lago e ao fundo, mais uma cidade típica.

Dois dias bem pedalados e já chegamos em Salzburgo. Começou a chover e estávamos cansados. Muito conveniente, pois era hora de conhecer as atrações desta famosa cidade cujas raízes remontam aos Celtas e Romanos. Focamos nossas visitas às várias ciclovias e praças que se espalham por toda a cidade aproveitando a primavera que emergia no colorido das flores, principalmente das papoulas. Claro, sem deixar de visitar o rico acervo Histórico – Volta ao Mundo deixado pelo mais brilhante filho da terra, Wolfgang Amadeus Mozart.

Aí uma dica, não perca muito tempo na casa onde nasceu Mozart. Ele nasceu meio pobre; a grande riqueza está mesmo na casa onde ele vivia, hoje um museu muito especial. Ao entrar recebemos um tipo de rádio que colocamos no ouvido e ao aproximarmos de cada peça podemos ouvir sua importância histórica e mais que isto, começa a tocar as músicas do mestre. Separe boas horas para ver e principalmente ouvir tudo.

Com os ânimos restabelecidos após o descanso enfrentamos uma das únicas grandes subidas de todo o percurso. Após Salzburgo temos que subir para chegar ao próximo vale.

Nova altitude novas vegetações e animais. Pequenos alces a beira da pista ou mesmo atravessando nossa frente. Novos lagos espetaculares como Wolfgang e Traunsee. Cidades como Bad Ischl, escolhida pelo imperador para fazer caçadas de veraneio. Logo as montanhas iam ficando cada vez mais para traz dando lugar a planície. Em Linz finalmente encontramos com o Rio Danúbio que passou a nos guiar. Dormimos em Enns a cidade mais antiga da Áustria, (fundada em 1.212).

Na manhã seguinte já era o oitavo dia em que realmente pedalamos, Sigrid já estava muito impressionada com seu bom desempenho na bicicleta, mas desta vez ela superou qualquer expectativa. Pedalamos 105,5 km em um único dia. Em apenas oito dias de viagem ela já havia conseguido uma forma física compatível com uma grande viagem de bike e mais que tudo superara uma marca que sequer imaginara fosse possível de alcançar.

Isto demonstra o quanto o cicloturismo é viável mesmo para quem não está acostumado a forte treinamento físico como ela.

Imaginei que a planície às margens do Danúbio seria entediante, mas era final de abril e as flores da primavera estavam desabrochando por todo lado, das plantas silvestres aos vinhedos e macieiras, uma verdadeira explosão de cores e perfumes. A estação mais colorida da Europa neutraliza qualquer tédio ou cansaço.

O som do pneu rolando na ciclovia e o perfume das flores eram meus privilégios como cicloturista.

Depois de 11 dias chegamos em Viena, pedalamos 645,6 km de um circuito que até mesmo a mais sedentária das pessoas iria apreciar e teria condição de realizá-lo por inteiro.


Conheça o conteúdo de nosso livro de PREPARAÇÃO PARA UMA GRANDE VIAGEM DE BICICLETA


Quer ter acesso a informação de qualidade para planejar e executar sua viagem?