O COMEÇO DA VIAGEM

TEXTO PUBLICADO EM 25/09/2008


Já faz muito tempo que sonhava em viajar pela Noruega. O litoral recortado e seus fiordes formam um panorama que me fascina pela beleza. Em 2003 estava pronto para fazer a viagem, mas acabei desistindo e voltei ao Brasil para mostrar o país a um casal de amigos franceses que vieram me visitar. Agora surgiu uma oportunidade irresistível.

Um amigo me pediu para transportar seu motor home de Milão até o extremo norte da Europa. Ele deseja viajar pela Noruega, mas como tem muitas ocupações, não quer perder o pouco de tempo que tem fazendo o translado. Durante o tempo em que ele ficar viajando de motor home eu aproveito para pedalar um pouco e depois pego novamente o motor home e trago de volta para Milão.

Tudo acertado, em primeiro de junho chegamos, eu, a Rafa, e nossas duas bicicletas no aeroporto de Malpensa Itália. Como a bicicleta muda o espírito de uma viagem! Acho fantástico chegar em um país, poder montar a bicicleta no próprio aeroporto e já sair pedalando livre com meu próprio veículo tão longe de casaO tratamento é totalmente diferente. Mesmo com as bicicletas ainda desmontadas e penduradas em nossos ombros, na alfândega, o oficial, que geralmente iria olhar com cara desconfiada e fazer um monte de perguntas, simplesmente sorriu e disse em tom de brincadeira:
– Que vão fazer com estas bicicletas? O “Giro di Itália” já acabou!

Se utilizássemos transporte coletivo teríamos que fazer uma verdadeira odisséia, indo até Milão, para finalmente tomar o rumo de Vigevano, onde está guardado o motor home. De bicicleta poderíamos fazer um caminho direto por pequenas cidades seguindo em linha reta do aeroporto até Vigevano.

Mesmo na Itália, onde a bicicleta é o esporte nacional, não é fácil descobrir um circuito longo que evita autopistas. Perguntamos para várias pessoas, mas somente quando encontramos um ciclista conseguimos alguém que compreende nossa língua. Enzo é italiano e nos levou até o canal principal do rio Ticino. Segundo ele, estes canais foram construídos para transportar todo o mármore utilizado na famosa catedral de Milão. Atualmente transformou-se em um parque e ainda servem para gerar energia elétrica. Seguimos sua suave corrente em meio a antigas e suntuosas propriedades rurais, árvores e muito verde. Pedalamos sem carros até Abiate Grasso, quando viramos à direita e chegamos a Vigevano, com 58 km pedalados. (Leia mais sobre este trajeto aqui!)

Antonello, nosso amigo que cuida do motor home, fez questão de nos levar para conhecer a praça central e nos disse com orgulho:
– Olinto, esta praça foi projetada pelo próprio Leonardo Da Vinci.

Com certeza a Itália tem muito para oferecer onde quer que passemos, entretanto decidimos que veríamos tudo com mais calma no caminho de volta, já que tínhamos muitos quilômetros para fazer. Atravessamos os Alpes pelo passo de San Bernardo (local onde nasceu a raça do cachorro), que ainda estava coberto de neve, e atravessamos a Suíça. À noite já estávamos na Alemanha e dormimos em uma cidade muito especial que marcou minha volta ao mundo de bicicleta. Quem leu “No Guidão da Liberdade” já ouviu falar em Bad-Wimpfen. Importante no passado, mas modernamente fora de qualquer rota estratégica, a cidade ficou esquecida no tempo e também pelas guerras. Até os dias de hoje conserva um maravilhoso acervo arquitetônico totalmente original.  Pouco assediada por turistas, pudemos percorrer calmamente as muralhas que cercam a cidade e suas ruelas tortuosas, cheias de casas, umas grudadas nas outras, com o madeiramento exposto típico do sul da Alemanha. É incrível como estas construções tão fora de prumo podem manter-se intactas até hoje.

De volta para a autopista, um longo dia de motorista me esperava. Na Alemanha existe um sistema diferente de controle de velocidade. Em certas áreas existem placas limitando a velocidade em 50, 100, 120 e até 130 km/h, entretanto, a regra geral é que não há limite de velocidade. É muito estranho viajar a 110 km/h e se sentir virtualmente parado ao ver passar a sua esquerda um Audi, um BMW ou um Mercedes a mais de 200 km/h. Somente uma vez estive em um carro correndo tanto. Quando visitava meu amigo Bernardo, chegamos a 220 km/h, fora isto só mesmo no avião pouco antes de levantar vôo.

Para se livrar de todo este estresse, nada melhor que um pedal pelo rio Reno.  Comodamente paramos o motor-home em Marksburg e seguimos pelas margens do Reno até Koblenz (31km). Não há quem não aprecie pedalar por esta região. Ciclovia quase plana e sempre ao lado do rio que corre por um vale estreito ladeado por colinas forradas de parreiras e a cada curva um castelo estrategicamente construído para defesa, mas que agora serve simplesmente para deleitar ainda mais os olhos. Pessoas de todas as idades enchem a ciclovia percorrendo no todo ou em parte este famoso circuito, demonstrando que não é necessária grande capacidade física para fazer cicloturismo.

Antes de sair da Alemanha tínhamos que fazer o TÜV, e paramos na cidade Langenfeld, pois contávamos com a ajuda do Frank para realizar esta tarefa. TÜV é uma certificação pela qual todos os veículos alemães têm que passar a cada dois anos. No caso do motor-home, além das condições de rodagem do carro e níveis de emissão de poluentes, a “casa” deve ser checada também, principalmente no que diz respeito ao gás que serve para o fogão o aquecimento da água e do ambiente habitável. Na verdade TÜV é uma empresa que manteve o monopólio de certificação por muito tempo e que acabou virando sinônimo, assim como no Brasil as pessoas chamam lâmina de barbear de Gilete.

Enquanto esperávamos a papelada, Frank nos convida para um passeio de bike. Conheci o Frank quando viajava pelo Marrocos, ele é guia do ADFC (Allgemeiner Deutscher Fahrrad – Club, traduzindo ao pé da letra, Clube Ciclístico de Toda a Alemanha – que é considerado o maior clube ciclístico do mundo) e nos levou junto com um grupo para fazer um circuito pela região.

Langenfeld está no meio do caminho entre Colônia e Dusseldorf, uma região super-desenvolvida, onde uma cidade se emenda com a outra sem qualquer área rural. Mesmo assim, fizemos 85 km quase que unicamente passando por pequenas propriedades, parques e fazendas. O ponto alto para mim foi conhecer a cidade de Neandertal, onde foram encontrados os famosos fósseis do Homem de Neandertal (atualmente as pesquisas indicam que o Homem de Neandertal não deu origem ao europeu moderno, pois foi exterminado por outra espécie mais evoluída que migrou posteriormente para a região).

Claro que não deixamos de fazer o tradicional passeio pela famosa catedral de Colônia, que demorou mais de um século para ser construída. Com os papéis em dia era hora de enfrentar novamente as auto-estradas e continuar no rumo norte.



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