LAPÔNIA

TEXTO PUBLICADO EM 03/01/2009


Finalmente chegou a hora de começar a viagem de bicicleta. Já havíamos pedalado 338 km, mas sempre voltávamos para o motor home, agora tudo o que precisávamos tinha que estar na bike, pois nosso caminho não teria volta. Fomos ao aeroporto pegar nossos amigos, donos do motor home. Confraternizamos em um restaurante ao lado da fronteira com a Rússia, o prato principal: carne de rena.

Numa construção moderna com um salão amplo e pé direito alto, toda a fachada do restaurante era de vidro e estava voltada para o um belo lago de águas calmas que refletiam o sol do entardecer. O cozinheiro era um verdadeiro mestre que trabalhava no meio do salão. Todo performático ele sabia que estava dando um show de culinária enquanto enfeitava os pratos que mais pareciam obras de arte. Brasileiros não são muito comuns por lá e ele chegou a nossa mesa para conversar após a refeição.

Contou-nos que no inverno a temperatura chega facilmente a – 40º C e vários metros de neve se acumulam pelas estradas. Disse que após alguns dias com temperaturas abaixo de zero a neve dura fica parecida com asfalto. Particularmente não acreditei, acho que isto é coisa de finlandês que é acostumado a ganhar rally pelo mundo a fora. Disse ainda que, da mesma forma que no verão o sol não se põe durante dois meses, no inverno eles não vêem o sol. Após dois meses sem sol começa a aparecer um pouco da claridade por algumas horas do dia. “Por duas horas já é possível caminhar sem lanternas” disse ele.

Ele me aponta um pedacinho do horizonte no fim do lado onde as montanhas formam como um “V” e diz: “Mais uns dois meses, o sol começa a aparecer naquele ponto. Primeiro ele passa por 5 minutos apenas, em duas semanas já permanece por 15 minutos e assim vai até ficar 24 horas sem se por”.

Chega a hora de nos despedir, abraços fortes, fotos e partimos com uma garoa fina. Era quase meia noite e o sol clareava tudo atrás das pesadas nuvens. Eu estava particularmente tenso, ainda tínhamos que encontrar um local para montar a barraca e esta seria a primeira noite que a Rafa iria acampar na vida. As condições não eram as melhores, a temperatura estava por volta dos 10 graus e garoa fina caía sem cessar.

Felizmente, depois de alguns quilômetros, encontramos um local perfeito. Longe da estrada e com uma belíssima vista para um fiorde. Para completar a alegria a garoa esperou calmamente eu montar a barraca.

De manhã a o céu continuava coberto, mas sem chuva, e a Rafa já estava animada. Além de gostar de acampar, ela estava adorando a experiência de ter na bicicleta tudo o que precisasse. Não deixar nada para trás, poder pedalar sem ter que retornar ao ponto de partida.

As informações sobre a Lapônia (norte da Finlândia) eram bem imprecisas. Estávamos preparados para atravessar florestas sem fim com pouca assistência, principalmente perto da fronteira norte com a Noruega. Como a Finlândia faz parte da Comunidade Européia, os preços são bem menores que na Noruega e logo após a fronteira (Näätämö) haviam vários mercados e postos de gasolina. Mas era só na fronteira, depois florestas e mais florestas nos esperavam. Quando chegamos a Sevettijãrvi percebemos que nada mais era que um amontoado de casas. Felizmente havíamos carregado suprimentos para alguns dias.

Os nomes das cidades realmente assustam, na verdade o nome do país em finlandês é Suomi. Não se sabe ao certo, mas a teoria mais aceita é de que o Finlandês junto com o Húngaro descendem de línguas centro asiáticas, por isso não tem nada a ver com qualquer língua européia. Claro, não dá para fazer assimilação, mas, por outro lado, a pronúncia é fácil, as poucas palavras que aprendemos tem pronúncia simples com sons que fazem parte do espectro sonoro de nossa língua (não há sons nasais como certas línguas orientais ou de garganta como certas línguas do oriente médio ou seja tudo é pronunciável apesar de difícil de ler e escrever).

Sempre que entro em um novo país fico ressabiado em acampar, mas na Lapônia não há para quem pedir autorização para acampar, as casas são de veraneio e estão quase sempre vazias, simplesmente escolhemos um lugar meio plano e colocamos nossa barraca ao lado de um dos muitos lagos (existe em média uma casa de veraneio para cada habitante).

A chuva insistente dificultava o pedalar, e nove graus ao meio dia não é um ideal de temperatura para pedalar. Estava com medo de acabar perdendo a namorada, mas a Rafa estava firme e cada vez mais empolgada com os desafios.

Naquela rodovia tão remota encontramos um casal de suíços fazendo uma volta ao mundo de bicicleta. Rahel e Jörg já haviam pedalado do Alasca até a Ushuaia, de onde seguiram para Austrália e Hong Kong. Para voltar para Europa, pegaram o trem Trans-siberiano, pedalando a partir de Moscou. Eles queriam chegar ao Cabo Norte e depois ficariam um tempo na Noruega antes de continuar viagem para a África. Sempre é uma alegria encontrar dedicados cicloturistas como eles. De qualquer país, com qualquer nível econômico, o estilo do cicloturista é bem parecido. Todos nós temos que carregar muito pouco, temos que ser capazes de acampar em qualquer lugar e gostamos de experiências variadas, muitas são boas e outras um pouco mais difíceis, mas sempre aproveitamos de tudo.

Compartilhamos impressões de lugares em que já estive e ouvi atentamente sobre lugares que ainda sonho em visitar. Com as bicicletas estacionadas a beira da estrada, não conseguíamos parar de conversar até começarmos a tremer de frio. Quem viaja de bicicleta em volta ao mundo sempre tem coisas na bike que fazem a vida na bicicleta parecer com um lar. Rahel puxou do alforje uma garrafa térmica (feita em inox) com chá quente, nos serviu e aquecidos, continuamos a conversa normalmente.

Deram vários macetes de lugares para acampar e contaram uma bela história sobre o primeiro dia em que chegaram à Finlândia e pediram para acampar em uma fazenda. A proprietária respondeu simplesmente:
– “Claro que sim… Por acaso vocês precisam pedir permissão para respirar o ar que eu respiro ou para apreciar a luz do sol a partir de minhas terras? Por que teriam que pedir para compartilhar do chão que eu piso? Escolham o lugar e coloquem sua barraca.”

Acho que esta frase demonstra a evolução deste povo tão hospitaleiro.

Tínhamos que continuar nosso caminho e infelizmente era em direção oposta, mas sentimos que o encontro com eles foi uma experiência muito boa e soou como um sinal para que continuássemos firmes em nosso caminho.

Logo chegamos à rodovia E75, que apesar de cortar o país de norte a sul, parecia uma vicinal. Entre Inari e Ivalo encontramos pela estrada um finlandês caminhando com uma mochila perfazendo o mesmo circuito que a gente. Ele disse que aquela era a parte mais bonita do país e tivemos que reconhecer isto. Mesmo com o clima ruim os lagos e florestas enchiam nossos olhos com sua beleza a cada curva da estrada.

A temperatura começava a subir e o sol brotava forte por entre as nuvens durante algumas horas do dia. O que parecia uma benção acabou se transformando em uma maldição. Junto como o sol vieram os pernilongos, mas muitos deles, mais parecendo um enxame de abelhas tamanha a voracidade. Eles não ficavam zunindo procurando um lugar para depois picar. Eles vinham, mal sentavam e já estavam picando. Não dava para ficar parado ao ar livre, tínhamos que ficar dentro da barraca. Para sair, só com equipamento de chuva cobrindo todo o corpo. Mãos, nariz, testa, tudo deveria estar coberto, qualquer parte que estivesse descoberta ou com um tecido fino seria picada pela bicharada.

Mesmo com sol, tive que utilizar todo o equipo de chuva para poder trocar um pneu furado. Imaginem para ir no “matinho”, não havia como fazer o serviço sem levar pelo menos algumas picadas lá nas partes!!!

O melhor lugar para ficar era em cima da bicicleta e pedalando. Desta forma, logo chegamos ao ponto onde cruzamos novamente o Circulo Polar Ártico. Na Noruega, existe um monumento e um centro de visitantes, na Finlândia existe um verdadeiro parque temático na linha do Círculo. Nada mais apropriado, pois esta é a casa do Papai Noel.

A história do Papai Noel é algo de interessante. O personagem base é tido como São Nicholas (Nicolau), daí vem a contração para Klaus do conhecido Santa Claus dos países do norte europeu. Bem, o fato é que São Nicolau realmente existiu. Ele foi consagrado Bispo pela Igreja e é por isto que em certos países a figura do Papai Noel usa uma mitra (aquele chapéu de bispo). Nicolau nasceu em Mira (atual Turquia) por volta do ano 280 depois de Cristo. A ele foram creditados vários milagres e a fama de ser um homem bom e cuidar dos pobres e adorar as crianças. Era um santo tão popular que a igreja mais antiga da Rússia foi erguida em sua honra. Mesmo após a reforma protestante, que pregava também o fim da adoração aos santos, São Nicolau manteve o carisma junto à população de países como Alemanha e Holanda, berço da reforma.

Tá, mas e como o Papai Noel chegou a Lapônia?

Os criativos capitalistas americanos, na busca de formas para incentivar o consumo, começaram a investir numa tradição Holandesa de presentear as pessoas no dia do santo, 06 de dezembro. O presente era uma forma de premiar as crianças que tiveram bom comportamento e era entregue na véspera de Natal. Acho que para tornar o julgamento do merecimento do presente um pouco imparcial, o crédito do presente era dado ao tal do Santa Claus, logo chamado de Pai do Natal, o Papai Noel para nós. Também não sei exatamente por que, mas acharam por bem que ele teria que viver em um local muito longe, talvez para dificultar e desencorajar as possíveis reclamações e eventuais represarias das crianças. Completando a salada de crenças, sua fábrica de brinquedos era tocada pela força de trabalho mais barata do mundo, os duendes. Apesar de muita gente acreditar que os duendes vêm todos de São Tomé das Letras, na verdade eles são da mitologia Nórdica. Eficientes e incansáveis trabalhadores, eles não se reúnem em sindicatos. Em toda minha curta carreira de advogado trabalhista, eu nunca soube de uma única reclamação trabalhista proposta por um duende. Por volta do final do século 19, Papai Noel já tinha o endereço marcado como sendo Korvatunturi, Lapônia, Pólo Norte.

Assim como eu, muita gente não conseguia encontrar esta cidade no mapa, e a partir de 1950 o escritório oficial do Papai Noel, onde todos os dias ele pessoalmente fica a disposição, fica à poucos km de Rovaniemi, bem no Circulo Polar Ártico. Fomos seduzidos por um cartaz que fazia um convite gratuito para visitar a fábrica. Entramos e nos surpreendemos com a beleza do cenário que remetia primeiramente a um túnel de tempo, regiões inóspitas de calor e frio, para então chegar à sala onde um ator vendia fotografias e filmes com sua presença.

O que me impressionou foi a lábia do bom velhinho, que atrás da maquiagem deveria ser até bem jovem. Super-conversador, ele conseguiu atrair nossa atenção fazendo com que sentássemos com ele. Não no colo, é claro!!! Impressionado ao saber que vínhamos de bicicleta e éramos brasileiros, foi ele que nos disse que os pernilongos aumentam justamente naquela época (logo após o dia mais longo do ano). Em duas semanas as noites voltam a ter temperatura que inibem a procriação do inseto e tudo volta ao normal. Por isto inclusive os animais fogem da estrada para locais mais altos.

Não compramos as fotos com o “velhinho”, mas pegamos alguns envelopes para escrever cartas para o Papai Noel. Eles têm um serviço voluntário que responde cartas em várias línguas do mundo desde que envie um selo internacional junto com a carta. Outro fato interessante é que um amigo que esteve no Alaska disse que por lá tem um serviço muito parecido com este. Se alguém quiser o endereço é só pedir!


MAPA ATÉ ROVANIEMI

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