ANTES DE PEDALAR

TEXTO PUBLICADO EM 06/10/2008


Mesmo com toda a modernidade as autopistas alemãs ficam longe de ser um deleite. Incrivelmente planas, parecem um tapete, não há comparação com qualquer outro país que passamos, mesmo assim, são públicas e sem pedágio. Este fato faz com que elas sejam ainda mais assediadas do que o seriam simplesmente pela posição estratégica do país. O tempo todo existe um fila de caminhões no seu lado direito seguindo a 110 km/h e do seu lado esquerdo super máquinas correndo como em uma competição da F1.

Num dia ocorreu um acidente na estrada. Em segundos havia um engarrafamento monstruoso sem chance alguma de retorno, pois havia uma fila incrível de carros atrás de nós. Não vimos nada do acidente de tão longe que estava. Aguardamos uma tarde inteira até que um helicóptero levou as vítimas e abriram a estrada novamente.

Decidimos fazer o percurso sem utilizar barcos e atravessamos a ponte nova, que liga Dinamarca até Suécia. Linda!!! Mas Caaaara! O pedágio custou por volta de US 50,00- que tal?!  Há quem prefira seguir de barco direto para Oslo, pois a viagem de ferry pode ser à noite e o valor não é muito maior que o custo de toda volta feita de carro.

Sabíamos que tudo seria muito mais caro fora da Alemanha, carregamos o carro com o máximo de comida que podíamos levar. Além disto, não poderíamos utilizar euro até que finalmente chegássemos à Finlândia. Dinamarca e Suécia fazem parte da Comunidade Européia, mas não utilizam o euro. A Noruega nem se interessa em fazer parte da Comunidade, tamanho é seu desenvolvimento. Imaginem como é o custo de vida em um país deste!!!

É só atravessar a fronteira e as coisas começam a mudar. Que gente bonita vive nestes países!

Não foi fácil planejar esta viagem. Queríamos concentrar a viagem nos países escandinavos, sabíamos que a parte mais interessante seria o recortado litoral da Noruega. Decidimos explorar em duas etapas: como teríamos que entregar o motor home no norte em data pré-estabelecida, primeiro faríamos a parte norte da Noruega e depois, na volta, faríamos a parte Sul.

Não demorou para chegar em Oslo (capital da Noruega), agora era só chegar até o Cabo Norte (ponto extremo norte da Noruega e da Europa) . Somente um detalhe: de Oslo até o Cabo Norte é mais longe que de Oslo até Roma…

Para dificultar mais ainda nossa longa jornada, as estradas que seguem para o norte são muito estreitas, e a velocidade máxima é 80 km/h, muitas vezes até menos que isto. Haja paciência….. Passávamos horas no carro para concretizar uns 400 km no dia. Quanto mais ao norte, mais horas de sol por dia, quero dizer, quando víamos o sol atrás das nuvens.

Depois de vários dias dirigindo sem descanso, meio que sem querer, pegamos um desvio na estrada, subimos um morro íngreme e chegamos no belíssimo parque nacional Rondane. O por do sol foi maravilhoso, as nuvens tomaram um tom avermelhado, parecia que começara um enorme incêndio no vale. De noite a temperatura chegou a ficar negativa. Gostamos tanto do lugar que decidimos fazer uma caminhada no dia seguinte durante a parte da manhã.

Como é fácil fazer caminhada na Noruega. Primeiro está tudo muito bem sinalizado com placas e uma letra “T” pintada em vermelho em pedras pelo caminho. Outra coisa que muito me chamou a atenção e que denota o grau de civilidade e evolução de um povo: havia uma placa explicativa com pelo menos uma dezena de “you can” (você pode) e nenhum “não pode” como se vê no resto do mundo. Do tipo “você pode fazer fogo”, “você pode trazer seu animal de estimação”. Claro que haviam também avisos de como e quando, mas a regra é a permissibilidade.

Aliás, devo fazer um comentário interessante sobre os países escandinavos. As pessoas de lá gostam tanto de acampar e da vida ao ar livre que existe uma lei chamada “o direito de todas as pessoas”. A lei diz que qualquer um pode acampar onde queira desde que respeite uma certa distância da residência dos proprietários. Na prática eu tinha o direito de ficar até 48 horas com meu motor-home onde eu quisesse e nas montanhas poderia ficar onde quer que fosse o tempo que quisesse. Não sou um grande caminhante, mas senti que poderia ficar um mês inteiro caminhando nas montanhas do parque. Ao invés disto, dirigi uns 400 km só na parte da tarde… Continuamos até Trondheim para uma pequena visita. Adoramos a igreja da cidade, ela segue o estilo gótico e possui uma particularidade muito divertida, olhem só a gárgula da lateral esquerda. (gárgula é como um acabamento para as calhas de uma grande igreja, geralmente possui motivos aterrorizantes como monstros ou demônios).

Quanto mais para o norte mais belas ficavam as paisagens, principalmente quando encontrávamos um fiorde ou um lago. A luz do dia também durava mais e mais tempo até o momento em que finalmente cruzamos o Circulo Polar Ártico no paralelo 65,5, quando começamos a experimentar o dia eterno. Nesta latitude durante esta época do ano o sol nunca se põe. Quando a estrada atravessa o Círculo, ganhamos um pouquinho de altitude e isto faz com que a paisagem mude violentamente para algo semelhante a um deserto gelado, como imagino que deva ser o verão na Sibéria. Outro detalhe interessante é imaginar que este mesmo paralelo passa no interior da Groenlândia e já bem ao norte do Canadá. Não fosse a corrente do Golfo, a Escandinávia teria um inverno tão rigoroso como o daqueles países.

Não paramos muito tempo, queríamos chegar logo em Lofoten. Para nosso deleite o clima começou a melhorar e pudemos apreciar pela primeira vez os raios de sol da meia noite por trás dos belíssimos morros da ilha de Lofoten. Realmente foi a coisa mais bonita que vimos até aquele momento da viagem.

Ainda não podíamos fazer grandes paradas mas, a qualquer momento do dia em que a chuva parava e saia o sol, estacionávamos o motor home e fazíamos um pedal qualquer. Para onde quer que fossemos havia algo de belo para ver.

Conseguimos chegar exatamente no dia 21 de junho no Cabo Norte. Estávamos a mais de 70 graus de latitude, justamente no dia mais longo do ano, mas o sol insistia em manter-se atrás das nuvens.

No caminho, todo o tipo de gente. O Cabo Norte é um marco tão importante quanto o Ushuaia. Muitos têm o sonho de um dia chegar até lá, cada um a sua maneira. Parece que é um fim em si. Motor-homes às dezenas, motos e carros modernos ou clássicos, lambretas e algumas bicicletas. Na volta cruzamos com um senhor vestido com roupas de época pedalando uma bicicleta daquelas antigas com uma roda gigante na frente e uma pequenininha atrás.

Geralmente eu procuro apreciar mais o caminho que o ponto da chegada. Desta vez o visual daquele litoral recortado justificava inteiramente minha filosofia.

Depois do Cabo, seguimos para leste em direção à fronteira com a Rússia. O afluxo de carros diminuiu muito e o visual ficava cada vez mais exótico, parecia tundra. Chegamos em Kirkenes no dia do aniversário da Rafaela e recebemos um belíssimo presente. O céu abriu de uma forma magnífica e pela primeira vez pudemos realmente apreciar o fenômeno do Sol da Meia noite.

Quando estava pesquisando sobre a viagem recebi um mail que falava sobre isto. O mail mostrava uma seqüencia de fotos do sol baixando e depois subindo novamente. Em Kirkenes nós ficamos com o motor-home estacionado de frente para o mar e vimos todo o fenômeno. O sol vai descendo no oeste como em qualquer lugar do mundo. Quando chega, visto a olho nú, perto de um palmo do horizonte, ele se mantém e começa a andar de lado, sempre a mesma distância do horizonte. A meia noite o sol está exatamente no norte e continua seu caminho até o outro dia, quando começa a subir novamente já do lado leste. Claro, é fantástico.

Estava terminada a primeira etapa da viagem, sentíamos grande ansiedade para começar logo a pedalar…


Pequeno vídeo – NORUEGA DE MOTOR HOME E BICICLETA


VEJA ALGUMAS FOTOGRAFIAS DA VIAGEM PELA NORUEGA


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