PASSOS PATAGÔNICOS ǀ PREPARAÇÃO
A DOENÇA
Em janeiro de 2004 fui diagnosticado com câncer. Inicialmente, como muitos, associei a doença com a própria morte. Imaginei que provavelmente seria minha hora de ir e me consolava por ter vivido intensamente até então. Em minha primeira consulta com um especialista, Dr. Renato Prado, tentava descobrir quanto tempo me restava de vida e imaginava como iria aproveita-la.
Que nada, descobri que meu câncer tinha até 95% de chances de nunca mais voltar após o tratamento. Não era o caso de aproveitar meus últimos momentos, mas sim de enfrentar o difícil tratamento. Realizei então duas cirurgias, sendo a segunda delas de grande porte. Um corte que atravessou todo o abdome. Mal me recuperei de uma, já voltei para outra. A luta contra um câncer agressivo como o meu é uma prova contra o relógio, não há tempo a perder. Recém recuperado da segunda começaram as sessões de quimioterapia. Taí algo que não fui preparado para enfrentar.
Mesmo quando pedalei pela primeira vez em altas montanhas eu sabia que cada dia de sofrimento e esforço me capacitava para o próximo dia e o próximo desafio. A cada nova manhã me sentia mais forte, dos Pireneus para os Alpes e destes para os Himalaias. Na quimioterapia a coisas são diferentes, a cada dia me sentia mais fraco e sem vida. Ficava uma semana no hospital recebendo o “remédio” pela veia durante o dia todo, todos os dias da semana.
Ao voltar para casa sentia um tremendo mal estar por uma semana. Na segunda semana em casa, apesar de me sentir melhor, sabia que era a fase onde tinha maior risco de ficar doente devido à perda de imunidade, isto sem falar na queda de todos os pêlos do corpo. Sentia como se estivesse me decompondo. Na última semana até que me sentia melhor mas logo já vinha outra quimio. Ou seja, o tratamento mais parece uma sessão de tortura da época da ditadura.
No mês, só tinha uma semana em que podia dizer: – Me sinto normal. Claro, poderia me preocupar com o que viria na próxima semana, mas procurava viver aqueles dias em sua plenitude aproveitando toda a beleza de viver. Felizmente estive em mãos de pessoas especializadas como o Dr. Renato Prado e todo o corpo de enfermagem do Hospital Amaral Carvalho, que merece menção devido ao carinho e atenção que tornam esta instituição tão humana.
Para me levar e trazer do hospital contei com a ajuda de meu irmão Jorge, minha irmã Fátima, meu cunhado Paulo e dos meus amigos Monica e Rodrigo Polido. Para agüentar os efeitos colaterais fiquei na casa de minha irmã Fátima e meu cunhado Paulo, que me emprestou a companhia alegre de sua bela família. Estas são pessoas que contam com minha eterna gratidão. Além disso alguns amigos que coincidentemente me procuraram nesta época, souberam de meu estado e trouxeram seu carinho e atenção. No meio de tanto carinho e atenção recebidas agradeço em especial a meus amigos Jorge e Irene que foram verdadeiros mentores trazendo um intenso suporte espiritual e psicológico. Com a ajuda deles pude compreender as possíveis causas internas de minha doença. Muitos telefonemas, carinho de vários amigos. Dentre os mais distantes posso citar o telefonema do Argus, direto de Paris, no meio de sua volta ao mundo em bicicleta, da Inglaterra a Emanoele e o Ambrosino que sempre me fizeram sentir sua presença a cada cirurgia e a cada quimioterapia. A todos meus amigos muito obrigado!!
RECUPERAÇÃO
Após a segunda operação sentia dificuldade até para caminhar e engordei 10 quilos no tratamento. Meus parâmetros eram outros, lembro como fiquei feliz, ofegante e até meio zonzo quando finalmente conseguir caminhar em volta da quadra. Lembrei dos 10 km que fazia em uma hora quando comecei a treinar de bike em Curitiba. Sabia que poderia voltar uma dia a viajar como eu gosto, mas sabia que teria que me esforçar muito e ter paciência.
É incrível perceber o quanto é recompensador investir no próprio corpo, a resposta positiva é imediata.
Nos últimos meses antes da viagem estacionei meu motor-home numa cidade chamada Timburi-SP. Fiquei ao lado de uma represa e comecei a ter uma rotina toda especial. Praticava 4 horas de esporte por dia. Caiaque, caminhada e bike, um dia para cada um. Além disto lia por pelo menos duas horas. Agora já perto de partir fiquei só pedalando.
Ainda não sabia o quanto a quimioterapia me afetou, ou se, na verdade, é simplesmente o peso dos meus 40 anos que chegam em 2006. Só sei que esta viagem tem um gosto de risco, incerteza, superação e desafio. Queria muito fazer esta viagem, cruzar de um lado para o outro a Cordilheira e conhecer bem esta região tão fascinante até onde possa chegar, visitando tudo quanto me alegre aos olhos e com o objetivo único de me deliciar com a natureza e aproveitar a beleza do mundo que me rodeia e das pessoas que hei de encontrar. Agradeço a Deus por estar vivo e saudável, por ter sonhos para realizar e por ter vontade de fazer coisas.
Quando estava doente não sentia vontade de nada, era como se meu princípio vital tivesse acabado. Por isto, agora, faço mais questão de realizar seja lá o que sonhe, seja lá o que me dê vontade. Isto é vida. Eu sempre gostei de apreciar a beleza do mundo. Com minhas últimas experiências senti muito sofrimento o que me fez ver ainda melhor que o mundo é muito bom e belo e que não posso desperdiçar nem tempo nem chances de viver tudo que ele me oferece.
Conheça nosso livro de Preparação para uma grande viagem de bicicleta.
Adquira nossas PUBLICAÇÕES e tenha acesso a CONTEÚDO de QUALIDADE para PLANEJAR e EXECUTAR sua VIAGEM de BICICLETA.